terça-feira, 27 de outubro de 2009

Espírito da Lei x Letra da Lei

Graça e Paz!

Um dos temas mais complexos da Bíblia é a conexão entre o Espírito da lei e a letra da lei, vemos no Antigo testamento que a lei deveria ser obedecida, e que sua transgressão implicava em conseqüências sérias. No entanto vemos Jesus dizendo que Davi quebrou um mandamento da lei e não foi punido. [1]

Os mandamentos da Bíblia são para cumprirmos, mas é bom saber que Deus tinha conhecimento, que nenhum homem poderia cumprir na integra todos os mandamentos da lei. Vejamos porque a verdadeira teologia deve estar fundamentada no Espírito da lei: “A letra da lei revelou a morte, enquanto no Espírito da lei estava a vida”. O apóstolo fala acerca dessa grande verdade quando Ele mesmo diz: “... A lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida”. [2] Para sair do domínio da lei, é necessário morrer relativamente a ela por meio do corpo de cristo. [3]

A vida do natural opera pela lei dos membros, e produz a morte, sendo a única saída, morrer para essa lei na qual todos estão sujeitos, e conseguir a liberdade. (en kainotêti pneumatos kai ou palaiotêti grammatos) “Em novidade de Espírito e não na caducidade da letra”. Ou “conforme o novo modo do Espírito, e não segundo a velha forma da lei escrita•” Vemos uma posição antitética entre “pneumatos” (Espírito) & “Gramatos” (letra).

O apóstolo quer dizer que a velha vida mesmo para ele que era judeu praticante descendente de uma tribo importante de Israel [4] era caracterizado por código externo e insuficiente, mas agora o Espírito supre interiormente o principio normativo que a lei de modo imperfeito supria no exterior. [5]

Os religiosos dos tempos de Jesus, só viam a “lei escrita”, mas a lei ia além, uma espécie de “meta-escrita”; não eram duas leis, mas uma lei que ia além das possibilidades humanas. Por não entenderem isso, é que eles ficavam atrás de Jesus, buscando uma falha no cumprimento da lei, para condená-lo.

Em Mateus vemos um episódio que mostra a superioridade do Espírito da lei sobre a letra da lei, quando os discípulos num sábado colheram espigas de milho, os fariseus, a elite da teologia dos escritos de Moisés, censuraram os discípulos, por trabalharem no sábado [6]. Jesus usando o conhecimento que eles tinham da lei, perguntou se eles não leram o que estava escrito sobre a atitude de Davi quando estava com fome, que entrou no templo e comeu os pães da proposição, o que era uma infração da lei essa atitude. [7]

Jesus continuou dizendo que os próprios sacerdotes violavam o sábado e ficavam sem culpa.[8] Essa interpretação de Jesus foi extraída da própria lei de Moisés:“No dia de Sábado oferecerás dois cordeiros de um ano, sem defeito e duas décimas de um efa de flor de farinha, amassada com azeite, em oferta de manjares, e a suja libação; é holocausto de cada sábado, alem do holocausto contínuo e a sua libação” [9]

Trabalhar no dia de sábado era “transgressão da lei”, mas a oferta pelo pecado era uma “necessidade maior”, mesmo que a lei proibia qualquer esforço físico nesse dia [10], o esforço de sacrificar dois cordeiros era justificado. Quando Jesus curou um homem da mão ressequida num sábado, mostrou que embora a letra da lei proibisse o trabalho num sábado, era possível quebrar a guarda do sábado, desde que o Espírito da lei, fosse preservado, e isso os judeus já faziam:“Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e num sábado, esta cair numa cova não fará todo o esforço, tirando-a dali?” [11]

Ao fazer essa pergunta Jesus estava afirmando que isso já acontecia. Se os religiosos quebravam o sábado, por causa de uma ovelha, porque Jesus não iria quebrar o mesmo, por um necessitado? “Jesus justificou quebrar a letra da lei, quando o Espírito da lei é preservado”. Veja o que ele disse: “Logo é lícito no Sábado fazer o Bem”.[12]

Guardar o sábado é mandamento da “letra da lei”, fazer o Bem é o “Espírito da lei”, que justifica ser quebrado!Essa lei ansiava por alguém muito especial para a cumprir. Veja quem foi esse alguém: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas, mas não vim para revogar, vim para cumprir”. [13]

Por isso não há êxito em usar o método da proibição, com as frases; “não faça”, “não pode”, “não toque”, “não coma”; pois quando isso ocorre, criam-se leis, e quando as leis são criadas, aumenta-se o desejo de transgressão. (aphormên de labousa ê amartia dia tês entolês kateirgasato en emoi pasa epithumian chôris gar nomou amartia nekra) “Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado”. [14]

O pecado tomando ocasião pelo mandamento (ARC), (ARA), Mas o pecado aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento (NVI). Neste versículo o pecado é toma a figura de um poderoso inimigo, a palavra (ocasião), (aphormên) é usado no contexto de uma operação militar.[15]. Com essa afirmação o apóstolo temeu que alguém fizesse uma interpretação errônea, pensasse que era melhor viver sem lei, uma espécie de antinomianismo [16].

Por isso ele continua seu argumento usando uma figura retórica de linguagem, perguntando e respondendo a si mesmo: “È a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado senão por intermédio da lei, pois, não teria eu conhecido à cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçaras” [17]

O apóstolo quis dizer que não devemos viver sem lei, o problema não estava na lei, pelo contrário à lei é santa e o mandamento santo, e, justo e bom [18] , mas que o propósito da lei que visava o melhor para nós, tornou-se por meio do mandamento uma maneira de revelar o pecado sobremaneira maligno [19], a Lei é espiritual, mas eu sou carnal vendido à escravidão do pecado. [20].

Pregar a palavra de Deus é atacar o pecado, esse é o oficio do verdadeiro ensino, libertar o pecador do pecado é o oficio do Espírito Santo. Por mais que a Igreja e a liderança esforcem, orem consagrem, eles serão “Instrumentos do Espírito de Deus”, mas o agente que nos liberta da “Escravidão da lei” é a “Lei do Espírito da vida” em Cristo Jesus que nos livrou da lei do pecado e da morte. “[21]. Por isso “letra da Lei” é “inferior ao Espírito da lei”, pois muitas vezes ela pode ser quebrada, desde que seja preservado o Espírito da Lei.Se a lei não poderia ser obedecida integralmente por que então Deus deu a lei?

Não parece uma contradição? Mas não é! O oficio da lei foi explicada pelo apostolo Paulo:“Ora sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca e todo o mundo seja culpável perante Deus”. [22]

A intenção de Deus ao dar a lei a Moisés, não era esperar que alguém a cumprisse, totalmente, mas elaborar um código que pusesse manter os relacionamentos num âmbito sociável, onde houvesse o máximo de harmonia em relação tanto com Ele o Criador, quanto com os homens.

O Apóstolo Paulo escrevendo a igreja de colossos confirma essa teologia ao dizer que se já morremos para os rudimentos do mundo, não devemos viver como se estivéssemos no mundo nos sujeitando às ordenanças, tais como: “não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos de homens, pois que todas estas coisas, com o uso se destroem” [23]. Ele prossegue dizendo: “... estas coisas têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético, todavia, não tem valor algum contra a sensualidade”. [24]. Outra versão diz: “Essas regras têm de fato aparência de sabedoria, com falsa humildade e severidade com o corpo, mas não tem valor algum para refrear os impulsos da carne”. [25]

A teologia do Espírito é formada pelos sentimentos procedentes do interior do coração, o pecado praticado é efeito de uma inclinação da natureza caída, não adianta criarmos mandamentos proibindo as práticas do pecado, embora devamos pregar falando do que o pecado faz, devemos mais ainda pregar mostrando as causas do pecado, e conhecermos qual é hoje a nossa posição diante da lei do pecado: “Agora, pois nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte. Porque o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado e, com efeito, condenou Deus na carne o pecado; A fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que “não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” [26]

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Notas
[1] Mateus 12.3-4 [2] Romanos 7.1. [3] Idem 7.4. [4] Filipenses 3: 5
[5] F. F.Bruce 1979.p.119 [6] Mateus 12:1-2 [7] Idem: 12:3-4. Cf.1 Samuel 21:1-6. [8] Mateus 21:5
[9] Números 28:9-10 [10] Êxodo 34:21, Deuteronômio 23:25. [11] Mateus 12:9-11 [12] Idem 12:12
[13] Idem Mateus 5:17 [14] Romanos 7: 7:8 [15] Bruce F.F. 1979.p 121
[16] Palavra de origem grega “anti” = “Contra”, e “nomos”, = “Lei”, ou seja, aquilo que é contrário a lei. O termo é usado para indicar a doutrina e a atitude que promove a idéia de que a lei moral não é obrigatória aos cristãos como regra de vida. (Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. p 191)
[17] Romanos 7;7 [18] Idem 7;12 [19] Idem 7:13 [20] Idem 7:14
[21] Idem 8:3 [22] Idem 3:19 [23] Colossenses 2:20-22. [24] Idem 2: 23
[25] Idem; Nova versão Internacional. [26] Romanos 8:1-4

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